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Aquilo

| sexta-feira, 20 de novembro de 2009 | |
A descida de Zeferino ao inferno começou no dia em que chegou ao paraíso. Pensando que ia encontrar o fim do caminho, a última paragem, a estação de repouso, Zeferino deparou-se com aquilo que todos encontram quando chegam ao topo: o caminho inverso. Por isso começou a descer. Pelo caminho, que iniciou depois de acender um charuto, pôs-se a relativizar:«Ah! Quão mau pode ser o inferno?» Era tudo uma questão de ponto de vista, afinal, muitos dos defeitos apontados ao diabo eram as suas melhores qualidades. As pessoas em quem se tinha apoiado na sua subida vertiginosa abriam agora alas para que descesse mais rápido, sem atritos. Não os reconheceu. Cruzou-se com a mulher e os filhos que não lhe retribuíram a saudação ao percorrem o caminho contrário:«Não me devem ter visto» desculpou Zeferino a família. De certa forma tinha razão, não o tinham reconhecido sem as suas roupas, os seus acessórios, a sua tecnologia de ponta e o seu característico charuto. «O meu charuto?» apercebeu-se Zeferino que já não o tinha quando chegou ao inferno. Cedo deu-se conta que não era só o charuto que lhe faltava, era tudo. Não tinha forma sequer, era só pensamento. Um pensamento que pairava mas não progredia, era vazio, estéril. Já não era Zeferino sequer; era aquilo. Tudo era branco e o diabo não havia.
«O inferno sou eu!» Foi o último raciocínio lógico que observou.

4 comentários:

calamity Says:
20 de novembro de 2009 às 22:11

somos nós. quando somos muitos cá dentro.

El Matador Says:
20 de novembro de 2009 às 22:48

sim.

mz Says:
22 de novembro de 2009 às 10:41

Despojados de todos os adereços, incluindo o corpo que veste o pensamento, a morte congela-nos!

Será que vestimos aquilo que mais tememos e criamos o nosso próprio "inferno"?

El Matador Says:
22 de novembro de 2009 às 12:33

Caídas todas as máscaras, o confronto com o que resta(quando resta) pode ser o inferno para alguns. Para outros, talvez a salvação.