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Valsa a Quatro Tempos

| segunda-feira, 3 de janeiro de 2011 | |
Não existe maior solidão que aquela que sentimos no meio duma multidão. Alguém disse isto. Este tipo de máximas são sempre ditas por alguém, como é lógico, não se pronunciam sozinhas. São como as leis da física que gerem o universo: existem e apenas precisam de ser enunciadas. Quem as enuncia é quase sempre portador de voz grave e ar pesaroso, como quem diz: Olhem! Aqui estou eu: Ouçam só o que eu vou dizer - tossicam um pouco, clareiam a garganta e depois lá cagam a sentença.
Para Romualdo, que se encontrava no centro da multidão em êxtase, a frase, embora fizesse todo o sentido, carecia de complementos circunstanciais, como por exemplo: Não existe maior solidão do que aquela que sentimos no meio duma multidão quando não temos dinheiro para o táxi e estamos com frio e ninguém fala connosco. O centro de uma bebedeira é como o centro de um furacão: vazio.
O que angustiava Romualdo não era a solidão, nem o abandono, nem o estar sozinho. Isso sabia ele ser parte da condição humana, tendo em conta as dimensões minúsculas do planeta em relação ao sistema solar, e do sistema solar relativamente à galáxia, e da galáxia ao seu agregado, e de todos os agregados juntos, ainda assim ínfimos quando comparados com a vasta extensão do universo. Não. Para Romualdo nada o fazia sentir-se mais pequenino do que ver a luz dos olhos dela extinguir-se lentamente; do intenso ao baço, do lusco-fusco à total escuridão, de supernova a buraco negro. Era essa a ferida que desatinava e fazia doer.
Sem ela sentia-se desequilibrado; como se estivesse bêbado, o que efectivamente estava, mas dum desequilíbrio diferente; como que desajeitado numa valsa a quatro tempos.
E assim era a solidão que chavão nenhum deixava entrever mas que ele sentia nesse momento. Em suma: tinha saudades.
Ai saudade que me prendes os pés ao soalho – suspirou, sem encontrar tradução para estrangeiro.

14 comentários:

Briseis Says:
3 de janeiro de 2011 às 22:00

Triste e maravilhoso... Estamos a ficar uns lamechas, Matador...

El Matador Says:
3 de janeiro de 2011 às 22:03

É o meu pior pesadelo :)

Anónimo Says:
3 de janeiro de 2011 às 22:15

"Ai saudade que me prendes os pés ao soalho"...e deixa-nos impotentes para darmos a volta e agirmos.
Ai saudades...
Gosto de te ler.

:) desejo

D. R. Says:
3 de janeiro de 2011 às 22:29

Há um miminho para ti, no meu blogue... :)

brita Says:
4 de janeiro de 2011 às 00:23

ahahahaha

El Matador Says:
4 de janeiro de 2011 às 08:06

@Desejo: Ainda bem.

@D.R. - Obrigado

Joaninha Says:
4 de janeiro de 2011 às 11:16

Bom ano Matador!

Como sempre genial, e não digo mais porque já estou farta de te gabar...só volto a opinar quando escreveres uma coisa menos boa!

beijos...(cheira-me que vou andar calada o ano todo...)

El Matador Says:
4 de janeiro de 2011 às 11:21

Ahahah

Bom Ano Joaninha

Esta tarde já, vou escrever uma coisa parva.

Johnny Says:
4 de janeiro de 2011 às 17:19

"O centro de uma bebedeira é como o centro de um furacão: vazio."
Brilhante frase :)

Mas mesmo nesse vazio, o bêbado consegue não estar sozinho.

El Matador Says:
4 de janeiro de 2011 às 17:54

Exacto.

Unknown Says:
17 de janeiro de 2011 às 03:41

Tão lindo...

Romualdo é mesmo um sentimental, né? :]

Sem ela sentia-se desequilibrado; como se estivesse bêbado, o que efectivamente estava, mas dum desequilíbrio diferente; como que desajeitado numa valsa a quatro tempos.

Um beijo,
Ane

El Matador Says:
17 de janeiro de 2011 às 08:52

É mesmo. ;)

Lala Says:
24 de março de 2011 às 17:28

Absolutamente genial! Saudade, para mim, é dor. choro sempre.

El Matador Says:
24 de março de 2011 às 19:35

É um bocado de sofrimento, sim.