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50 minutos

| sexta-feira, 27 de abril de 2012 | 8 comentários |

A comédia humana fez com que Abrenúnico saísse de casa às 14h15 e chegasse ao local do encontro precisamente às 13h30. Quid? Uma fina aberração da complexa malha espacio-temporal? Que prodígio é este? Já tinha ouvido falar em pessoas pontuais mas isto é ridiculo. E agora? O encontro é às 14h20...É, ou já terá sido? Como é isso? Eu explico, se ela chegar ao encontro às 14h20 das tuas 14h15 não vai encontrar lá ninguém. Ah, isso é o menos, são 13h30 no meu relógio, só tenho que me sentar e esperar pelas 14h20 onde pontualmente a verei chegar. Não me parece. Então? Quando baterem as 14h20 no teu relógio já serão no dela 15h05, achas que ela espera por ti 50 minutos? É possível. Sem saber notícias tuas, sem um telefonema a avisar. Posso telefonar. Não sei se resultará. Se telefonares agora é com o teu presente que estarás a falar e tu precisas é de comunicar com alguém no futuro. Por esta altura cada minuto que passa no teu relógio é um minuto gasto no relógio dela, ou seja, o teu futuro pertence agora ao passado de outra pessoa. Isso quer dizer que não nos vamos encontrar?Talvez, lembra-te das linhas paralelas. Aquelas que se tocam no infinito? Sim.
Falta muito para o infinito?
Um pouco mais que 50 minutos.

50 minutos depois

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50 minutos depois, já as flores estavam murchas, vê Abrenuncio chegar uma esbelta moça muito parecida com aquela com que havia marcado o encontro. Podia ser a irmã mais nova da outra. Podia, mas ela não tem irmãs. Foi uma observação irónica. O que eu queria dizer é que quando deus fecha uma porta abre sempre uma cave. Humm, não me parece que seja assim o ditado. Não? Não, acho que é: quando deus fecha uma janela, pára sempre um elevador. Eh lá, essa não é de certeza. Atão haviam lá elevadores no tempo de deus? O que é que isso interessa? Também não haviam caves. Ai não haviam? Não. Tens a certeza? Atão onde é que eles guardavam o vinho? Qual vinho? O vinho que eles bebiam às refeições. Isso era água que deus ia transformando conforme fizesse falta. Arrghhh! 'Tás a misturar tudo. Eu? Tu é que não leste a bíblia, diz lá que deus transformava a água em vinho e mais não sei quê, além do mais nada disso interessa, a questão aqui é a das oportunidades, como deus disse: que atire a primeira pedra à janela aquele que nunca abriu uma porta. Querendo isso dizer... Querendo isso dizer que te desencontraste da outra, pelo menos até ao infinito, mas podias aproveitar esta agora que até já te fez olhinhos e à primeira vista parece mais interessante que a outra. Se tiver que ser acontece, já está escrito. Já está ESCRITO??? Assim como já estava escrito que ias cair num buraco espacio-temporal e atrasares-te no passado 50 minutos no futuro? Deus escreve certo uma linha de cada vez. Ai!!!
Olha, foi-se embora. Aborreceu-se certamente. Deus dá com uma mão e tira com as duas.
Pois é, candeia que vai à frente alumia a vanguarda do caminho.

por mais alguns 50 minutos

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Espera lá, se a outra do meu futuro esperou por mim 50 minutos, e não me encontrou por eu estar aqui, não deveria ter chegado aqui 50 minutos depois, uma que pertencesse ao meu presente, à hora do nosso encontro, ainda que não soubesse nada deste tropeção quântico? Aquela que corresponde a este presente não marcou nada contigo. Como assim? Tu neste presente só existes a partir do momento em que chegaste aqui às 13h30; ainda não tiveste interacção com ninguém a não ser com essa outra que te piscou o olho e que tu deixaste ir. A tua existência neste tempo tem apenas 150 minutos, és um recém-nascido. 'pera lá, atão agora dizes-me que sou um bébé, 'tás parvo? Temporalmente neste espaço és uma criança, ninguém te conhece, és um estrangeiro. Um estrangeiro? O que é que isso quer dizer? Que tens que começar tudo outra vez, lamento. O quê, mas isso não é a reincarnação? Não quero, não vou repetir tudo outra vez. Tecnicamente não reincarnaste, antes destemporalizaste, por isso o começar tudo de novo não tem que ser mau, vê pelo lado bom, podes corrigir ou evitar os erros do teu antigo passado, construir aqui um presente melhor, serás um homem mais evoluído, terás as presciência do engano. Serei um homem do futuro! Exacto, um homem do futuro, mas no passado é claro. Sempre à frente. Nem que seja por 50 minutos.
Deus dá nozes a quem toca guitarra.

Mão ao Ar! Isto é um Governo

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"Sei que pareço um ladrão
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são
são aquilo que eu pareço"

António Aleixo

Asneira

| terça-feira, 17 de abril de 2012 | 9 comentários |

Sai do banho e cometi uma das maiores anseiras da minha vida: desfiz a barba. Senti-me despido. Uma brisa incómoda e estranha atravessou todo o meu ser. Lembrei-me depois que estava efectivamente despido e vesti-me. Mas já não era o mesmo. O indivíduo que se levantou de manhã não era o mesmo que saía de casa agora; tinha havido uma evolução. Cortei cerce com o passado cro-magnon e revesti-o de bálsamo perfumado homo sapiens. Na rua ninguém me reconhece. A cara descoberta encobre paradoxalmente a minha entidade, sou outra pessoa. O carteiro não me reconhece, nem a menina no café; eh lá, pensei, olha que isto ainda é capaz de ter as suas vantagens. Não mais vou ter que aguentar as desmesuradas secas que o maluquinho da bola me dá todos os dias, junto ao quiosque, quando compro o jornal. Dou-lhe os bons dias e ele embrenhado nas páginas sebentas do benfica-sporting-porto, não retibui, grunhe apenas.
Ao passar em frente de uma loja reparo com o canto do olho que sou acompanhado por um esbelto jovem modesto, quem será, interrogo-me. Viro-me repentinamente e apercebo-me que o jovem não passa da minha própria imagem reflectida na montra. Olha que surpresa agradável, inclino-me para frente e cumprimento-me respeitosamente, o duplo faz o mesmo.
Como se de um verdadeiro estranho se tratasse ninguém me reconhece no local de trabalho. Mas se sou eu, reclamo. Eu também sou eu, diz-me um, eu somos todos, atira outro. Mas eu sou mesmo eu, sou aquele eu que estava aqui ontem, afirmo veementemente. Aquele que estava aí ontem era outro, responde o chefe de secção. Outro que sou eu! Gritei já um pouco irritado. Se é outro não pode ser voçê, além do mais ainda há pouco disse que era eu. E nisto chamou a Segurança. Fui arrastado para a rua por dois gorilas que me empurraram porta fora sem apreço maior pela minha identidade. O dia não me está a correr nada bem, cogitei por momentos. Olha do que eu me havia de lembrar logo de manhãzinha, eu e as minhas ideias idiotas, agora nem sou eu nem o outro; havia de cair-me um piano em cima por cada asneira que faço na vida.
De caminho para casa sou atingido por algo. Olho para trás e não vejo ninguém, aliás, toda a rua está deserta. Agacho-me para examinar o estranho objecto quando sou atingido outra vez, tu queres ver, tu queres ver, irrito-me um bocado. Olho para o céu e toda a pele se me arrepia em modo galináceo: do nada começara a cair uma chuva forte de pianos de cauda.

...Ex-Machina

| terça-feira, 10 de abril de 2012 | 6 comentários |

A máquina de encher egos cresce de dia para dia, a olhos vistos. Quem diria que um dia, um simples engenho: duas rodas dentadas, uma manivela, se tornaria no mastodonte tecnológico que agora vemos aqui. No ínicio uma alma apenas operava a máquina; sem pressas, sem ajudas, uma senhora, já velhinha até, dava uma voltas à manivela e nem se dava conta de que o ego lhe crescia acrescentando assim tamanho à maquina. Hoje, já nem conseguimos apontar o sítio original onde ficavam as rodas dentadas e muito menos a manivela. A senhora ainda continua lá, ela e pelo menos mais trinta indivíduos, todos empenhados em fazer crescer a máquina enchendo consequentemente o ego. Agora sentam-se em circulo, adoptam a posição fetal que é a posição em que melhor podem observar o próprio umbigo, e, em vez da manivela pressionam-se botões, teclados e acendem-se monitores e ecrãs LED. Longe vão os tempos da simplicidade digo-vos eu, a máquina já atingiu mesmo o estatuto de hardware de alta qualidade; há até quem lhe chame EGOTRON, um nome que aponta caminho para o futuro e para mais crescimento e ego, eu cá chamo-lhe MASTURBATORIUM, que é o que aquilo é.

#290

| quinta-feira, 5 de abril de 2012 | 7 comentários |

Romualdo um dia descobriu que cada vez que tomava banho perdia cabelo. Ó inglória realidade que bates mais que um camião TIR desgovernado no meio da EN125. Será isto o começo, pensou; perder cabelo todos os dias ao sair do banho, num lenta ainda que asséptica descida aos infernos da calvície?
São estes pequenos sinais que nos alertam para a chegada da vida mais adulta ainda. Um rol de dúvidas que assalta a mente do indivíduo quando este se depara com o princípio do fim da juventude e o fim da ramboia por princípio.
Em Romualdo um prurido dramático sobressaía por entre todos os outros que se acotovelavam no seu estiramento filosófico:
- Ficar careca ou deixar de tomar banho – eis a questão.


porque foi inspirado no post dela e, para dar continuidade ao velho hábito tibetano de não dar selos a ninguém, ofereço esta posta virtual à Maria.