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Mansos e Drogados

| sexta-feira, 29 de junho de 2012 | 5 comentários |

Acabou a febre da bola. Ficou só a febre. A, cada vez mais dolorosa, existência; a perturbante sensação de mesquinhez perante algo ou alguém que não se compreende e que nos esmaga diáriamente, sem vaselina.
A galáxia rodopia indiferente: braços estendidos ao universo, leite vertendo na noite escura. É onde vivemos, num desses braços. Grão de poeira suspenso num pedaço de luz. É tudo o que se poderia pedir: um lugar cativo numa viagem circular, sentados à beirinha, para podermos molhar a ponta dos pés no cosmos, e expandir-mo-nos, mas desta vez só em pensamento.
E no entanto ela gira, e o que nos sobra desta liberdade estonteante que recebemos de presente logo à nascença, é uma vil tristeza e malfadada existência, carregada de ignomínia e afronta.
Dão-nos um papel para decidirmos das nossas vidas e depois atiram-no com ele à cara. Insultam-nos.
Chamam-nos brandos, acomodados e até bons alunos...que insulto. Enchem-nos até às orelhas de fait-divers e de outras minúcias futilidades e conduzem-nos para o matadouro, mansos e drogados, como um boi sacrificial. Morrer assim: não sei se é castigo se é libertação. É a vida, dizem eles, tem que ser, dizem outros, ai o fado, o nosso rico fado, e assim nos levam: mansos e drogados.
E não há um único David que surja de funda ao alto, e espete com uma valente pedrada no olho do cú que estes gigantes trazem no lugar da cara.
Na aldeia global somos todos filisteus.